A segunda concepção da liberdade foi, inicialmente, desenvolvida por uma escola de Filosofia do período
helenístico, o estoicismo, ressurgindo no século XVII com o filósofo Espinosa
e, no século XIX, com Hegel e Marx. Eles conservam a ideia aristotélica de que
a liberdade é autodeterminação ou ser causa de si. Conservam também a ideia
de que é livre aquele que age sem ser forçado nem constrangido por nada ou por
ninguém e, portanto, age movido espontaneamente por uma força interna própria.
No entanto, diferentemente de Aristóteles e de Sartre, não colocam a liberdade
no ato de escolha realizado pela vontade individual, mas na atividade do todo,
do qual os indivíduos são partes.
O todo
ou a totalidade pode ser a Natureza – como para os estóicos e Espinosa -, ou a
Cultura – como para Hegel – ou, enfim, uma formação histórico-social – como
para Marx. Em qualquer dos casos, é a totalidade que age ou atua segundo seus
próprios princípios, dando a si mesma suas leis, suas regras, suas normas.
Essa
totalidade é livre em si mesma porque nada a força ou a obriga do exterior, e
por sua liberdade instaura leis e normas necessárias para suas partes (os indivíduos).
Em outras palavras, a liberdade, agora, não é um poder individual incondicionado
para escolher – a Natureza não escolhe, a Cultura não escolhe, uma formação
social não escolhe -, mas é o poder do todo para agir em conformidade consigo
mesmo, sendo necessariamente o que é e fazendo necessariamente o que faz.
Como
podemos observar, essa concepção não mantém a oposição entre liberdade e
necessidade, mas afirma que a necessidade (as leis da Natureza, as normas e regras
da Cultura, as leis da História) é a maneira pela qual a liberdade do todo se manifesta.
Em outras palavras, a totalidade é livre porque se põe a si mesma na existência
e define por si mesma as leis e as regras de sua atividade; e é necessária
porque tais leis e regras exprimem necessariamente o que ela é e faz.
Liberdade
não é escolher e deliberar, mas agir ou fazer alguma coisa em conformidade com
a natureza do agente que, no caso, é a totalidade. O que é, então, a liberdade
humana?
São
duas as respostas:
1. a primeira afirma que o todo é racional
e que suas partes também o são, sendo livres quando agirem em conformidade com
as leis do todo, para o bem da totalidade;
2. a segunda afirma que as partes são de
mesma essência que o todo e, portanto, são racionais e livres como ele, dotadas
de força interior para agir por si mesmas, de sorte que a liberdade é tomar
parte ativa na atividade do todo. Tomar parte ativa significa, por um lado,
conhecer as condições estabelecidas pelo todo, conhecer suas causas e o modo
como determinam nossas ações, e, por outro lado, graças a tal conhecimento, não
ser um joguete das condições e causas que atuam sobre nós, mas agir sobre elas
também. Não somos livres para escolher tudo, mas o somos para fazer tudo quanto
esteja de acordo com nosso ser e com nossa capacidade de agir, graças ao
conhecimento que possuímos das circunstâncias em que vamos agir.
Existe
ainda uma terceira concepção que procura unir elementos das duas anteriores.
Afirma, como a segunda, que não somos um poder incondicional de escolha de
quaisquer possíveis, mas que nossas escolhas são condicionadas pelas
circunstâncias naturais, psíquicas, culturais e históricas em que vivemos, isto
é, pela totalidade natural e histórica em que estamos situados. Afirma, como
a
primeira, que a liberdade é um ato de decisão e escolha entre vários possíveis.
Todavia,
não se trata da liberdade de querer alguma coisa e sim de fazer alguma
coisa, distinção feita por Espinosa e Hobbes, no século XVII, e retomada, no século
XVIII, por Voltaire, ao dizerem que somos livres para fazer alguma coisa quando
temos o poder para fazê-la.
Essa
terceira concepção da liberdade introduz a noção de possibilidade objetiva.
O possível
não é apenas alguma coisa sentida ou percebida subjetivamente por nós, mas é
também e sobretudo alguma coisa inscrita no coração da necessidade, indicando
que o curso de uma situação pode ser mudado por nós, em certas direções e sob
certas condições. A liberdade é a capacidade para perceber tais possibilidades
e o poder para realizar aquelas ações que mudam o curso das
coisas,
dando-lhe outra direção ou outro sentido.
A
liberdade, porém, não se encontra na ilusão do “posso tudo”, nem no conformismo
do “nada posso”. Encontra-se na disposição para interpretar e decifrar os
vetores do campo presente como possibilidades objetivas, isto é, como abertura
de novas direções e novos sentidos a partir do
que
está dado.
Espinosa
afirma que o ser humano é mais livre na companhia dos outros do que na solidão
e que “somente os seres humanos livres são gratos e reconhecidos uns aos
outros”, porque os sujeitos livres são aqueles que “nunca agem com fraude, mas
sempre de boa-fé”.
conforme Marilena Chauí
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