VIDA E MORTE - 3 ano
Vida
e morte não são, para nós humanos, simples acontecimentos biológicos.
Como disse um filósofo, as coisas aparecem e desaparecem, os
animais começam e acabam, somente o ser humano vive e morre, isto é, existe.
Vida e morte são acontecimentos simbólicos, são significações, possuem
sentido e fazem sentido.
Viver e morrer são a descoberta da finitude humana, de nossa
temporalidade e de nossa identidade: uma vida é minha e minha, a
morte. Esta, e somente ela, completa o que somos, dizendo o que fomos. Por
isso, os filósofos estóicos propunham que somente após a morte, quando terminam
as vicissitudes da vida, podemos afirmar que alguém foi feliz ou infeliz.
Enquanto vivos, somos tempo e mudança, estamos sendo. Os filósofos
existencialistas disseram: a existência precede a essência, significando com
isso que nossa essência é a síntese final do todo de nossa existência. “Quem não souber morrer bem terá
vivido mal”,
afirmou Sêneca.
Morrer é um ato solitário. Morre-se só:
a essência da morte é a solidão. O morto parte sozinho; os vivos ficam sozinhos
ao perdê-lo. Resta saudade e recordação.
Viver é estar com os outros. Vive -se
com outrem: a essência da vida é a intercorporeidade e a intersubjetividade. Os
vivos estão entrelaçados: estamos com os outros e eles estão conosco, somos
para os outros e eles são para nós.
A ética é o mundo das relações
intersubjetivas, isto é, entre o eu e o outro como sujeitos e pessoas,
portanto, como seres conscientes, livres e responsáveis. Nenhuma experiência
evidencia tanto a dimensão essencialmente intersubjetiva da vida e da vida
ética quanto a do diálogo. Porque a vida é intersubjetividade corporal e
psíquica, e porque a vida ética é reciprocidade entre sujeitos, tantos
filósofos deram à amizade o lugar de virtude proeminente, expressão do mais
alto ideal de justiça. Num ensaio, Discurso da servidão voluntária,
procurando compreender por que os homens renunciam à liberdade e voluntariamente
servem aos tiranos.
Espinosa afirma que o ser humano é mais
livre na companhia dos outros do que na solidão e que “somente os seres humanos
livres são gratos e reconhecidos uns aos outros”, porque os sujeitos livres são
aqueles que “nunca agem com fraude, mas sempre de boa-fé”.
Se perguntarmos quais são, afinal, os
valores, os motivos, os fins e os comportamentos éticos, responderemos dizendo
que são aqueles nos quais buscamos eliminar a violência na relação com o outro,
ao mesmo tempo em que procuramos manter a fidelidade a nós mesmos. Ético é não
desaprender “a linguagem com que os homens se comunicam” e deixar “o coração
crescer” para sermos mais nós mesmos quanto mais formos capazes de
reciprocidade e solidariedade.
A ética se move no campo das paixões,
dos desejos, das ações e dos princípios, possuindo uma dimensão valorativa e
normativa. Por um lado, valores e normas são exteriores e anteriores a nós,
definidos pela Cultura e pela sociedade onde vivemos; mas, por outro lado,
somos sujeitos éticos e, portanto, capazes tanto de interiorizar valores
e normas existentes, quanto de criar novos valores e normas.
Minha liberdade, escreve um filósofo, é
o poder fundamental que tenho de ser o sujeito de todas as minhas experiências.
Por atos de liberdade, interpretamos nossa situação – valores, normas,
princípios – e dessa interpretação nasce em nós a aceitação ou a recusa, a
interiorização ou a transgressão, a continuação ou a criação. A ação mais alta
da vida livre, disse Nietzsche, é nosso poder para avaliar os valores.
O filósofo grego Epicuro escreveu: “O
essencial para nossa felicidade é nossa condição íntima e dela somos senhores”.
Ser senhor de si – isto é, autônomo – e ser capaz de philia – isto é, de
reciprocidade, de relação intersubjetiva como coexistência e não-violência – é
o núcleo da vida ética. Como disse Epicuro, “a
justiça não existe por si própria, mas
encontra-se sempre nas relações recíprocas, em qualquer tempo e lugar em que
exista entre os humanos o pacto de não causar nem sofrer dano”.
Texto de Marilena Chauí, em Convite à
Filosofia.
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